01/03/2010

Texto do jornalista Jairo Marques. Extraído de seu blog - http://assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br/

Às mães que empurram

Foi na semana passada. Eu tava indo pro trabalho, a manhã nubladinha, feiosa e preguiçosa, como é típico dos dias sem sol. Parei em um farol num dos lugares mais ‘over’ aqui da city, a rua Amaral Gurgel, onde por cima passa uma ode ao gosto urbanístico, o minhocão.
E eles passavam numa toada apressada. O menino, que devia ter uns oito anos, segurava e tentava se equilibrar com a bolsa da mãe, a mochila de escola e um guarda chuva daqueles pretos, grandões. A mãe o empurrava aparentando preocupação com a hora.
E os dois foram cruzando a minha frente ao mesmo tempo em que me remetiam aos meus tempos de escola. A cadeira de rodas do menino, que tinha cabelos bem pretinhos, era grande, pesada e exigia um bom esforço físico da mãe.
Nem toda cadeira de rodas é leve, feita sob medida e produzida com materiais nobres como titânio, magnésio ou qualquer outro raio de coisa ‘genetchicamentchi’ modificada que a torna prática. Resultado? Mães que precisam fazer uma força danada pra vencer calçadas, guias altas, piso irregular, entradas sem rampas e que as expõem a quase estourar as veias do pescoço...
Fui ficando melancólico vendo a mãe atravessar a Amaral Gurgel empurrando o menino. Pra completar o aperto no meu coraçãozinho , a travessia, feita em duas partes, pois a via tem duas mãos cortadas por um canteiro cheio de pichações e sujeira, não tinha rampas em parte nenhuma.
Todo mundo já foi empurrado por suas mães, de alguma forma, seja no carrinho de bebê, seja ao longo da vida para ‘virar gente’, mas ‘malacabados’ são empurrados mais e de uma forma diferente. Somos empurrados para conhecer a vida, para ter vida, para encarar a vida. Somos empurrados bebês, somos empurrados jovens, somos empurrados adultos, porque, mesmo que não precisemos mais, elas fazem questão de nos ‘poupar’ um pouquinho mais.
Aquela mãe empurrando o menino no dia nublado, me levou até a lembrança de que minha mãe nunca usou salto alto para ficar mais vaidosa.
Salto alto não combinava com aquelas ruas de areia fofa que empacava as rodas da minha cadeira. Unhas cumpridas também não porque, na eventualidade de ter de me carregar, poderia me machucar... E fosse onde fosse ela sempre chegava cansada, suada de fazer tanto esforço para que eu chegasse também.
Todos os dias berro, conto piadas, tento cativar e seduzir mais adeptos para uma causa que considero muita justa: fazer o mundo ficar mais acessível, mais fácil de ser transitado, mais fácil de ser vivido por quem tem algum tipo de deficiência.
Faço isso também para as mães que empurram, algumas delas, tenho o prazer de tê-las como leitoras. Mães que doam suas energias para o bem estar do filho deficiente, mães sempre na linha de frente para evitar a exposição dos seus ao perigo, à injustiça, ao preconceito e a falta de oportunidade.
Minha mãe faz hoje aniversário. Mais da metade dos anos de vida, ela se dedicou a me empurrar para vida, igualzinho faz àquela mulher na Amaral Gurgel com o garoto.
Atualmente, ela sabe que sei voar e pouco preciso de uma mãozinha, mas em cada mãe que empurra, rendo homenagens a minha “santa” e a vejo honrando o meu nascimento, a minha condição física e o meu direito de ser bem feliz...
Obrigado, mamis... que seja ótima a sua nova idade! Com o meu melhor amor, sempre pra você...
PS: Para saber mais, clica no bozo!

Um comentário:

  1. Que lindo o texto...estou "roubando" e colocando no blog do oficineiros da educação especial ... lindo seu blog, passosempre por aqui.
    Bjs
    Marisa

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